Algum dia engoliremos um robô
A
robótica vive uma revolução com avanços em campos inusitados que vão da
medicina ao funcionamento do cérebro

Robôs kilobots, projetados para se agrupar, em Sheffield. / SIMON BUTLER
À primeira vista, não parecem grande coisa nem
nos levam a acreditar que por trás desses pequenos e barulhentos robôs que se
movem desajeitadamente sobre uma mesa branca para se agruparem por cores está
um experimento que pode mudar a história da medicina. O futuro já não é mais o
que era porque a ficção científica se esqueceu da Internet. Mas ela descreveu
uma sociedade na qual os robôs fazem parte do cotidiano. Em todo o mundo se
multiplicam as empresas e universidades com programas para pesquisar as possibilidades da robótica. E os avanços que elas conseguiram são extraordinários.
O objetivo dos grupos de robôs que acabamos de descrever, chamados
de enxames por ter como modelo o comportamento gregário de animaiscomo os cupins,
vai do maior ao menor: de permitir que máquinas colaborem juntas em tarefas
complexas – como a limpeza de uma usina após um acidente nuclear ou a
circulação de milhares de carros sem motorista – até, em um futuro que os cientistas
enxergam daqui a 20 ou 30 anos, a existência de robôs tão minúsculos que
poderemos engoli-los para que se juntem por conta própria dentro de nosso corpo
para realizar tarefas médicas.
“Os robôs humanoides
capazes de fazer todo o nosso trabalho, como vemos nos filmes, estão a muitos
anos de distância, se é que um dia existirão. Mas acredito que os robôs sejam
cada vez mais eficazes em pequenas tarefas muito importantes. Por exemplo, tenho
certeza de que dentro de 50 anos ninguém mais vai dirigir um carro, e parecerá
um absurdo que milhares de pessoas morram nas estradas por causa de acidentes
evitáveis”, explica Tony Prescot, diretor do Sheffield Center for Robotics, um
dos institutos de pesquisa de ponta da Europa, ligado às duas principais
universidades dessa cidade do norte da Inglaterra e que coopera com centros de
todo o mundo. No último fim de semana, como parte do Festival of the Mind
(“Festival da Mente”), esse laboratório no qual trabalham 150 cientistas de
diferentes áreas e nacionalidades realizou duas demonstrações de robôs que
permitiram entrever o futuro incrível que se espera nesse campo. E também seu
extraordinário presente.
Atrás de uma porta na qual
se lê Laboratório de Interação entre Robôs e Humanos se esconde um bicho branco
de pelúcia, com cara de bebê foca, chamado Yoko: um robô Paro de fabricação
japonesa – Obama foi fotografado com
um em Yokohama. A sala está cheia de câmeras, que filmam as reações
diante de um robô que olha, responde ao ser chamado pelo nome e a impulsos como
afagos (custa 21.600 reais e existem cerca de 1.000 exemplares no mundo). No
laboratório, o objetivo é analisar as relações dos humanos com os robôs, que
vão do temor à curiosidade. “É uma pena que a ficção científica tenha passado
uma imagem tão negativa dos robôs”, diz Emily Collins, estudante de
pós-graduação no centro de pesquisas e especialista em relações entre robôs e
humanos. “Eles são como qualquer outro instrumento e têm aplicações muito
importantes”. A utilidade do Paro na vida real? Cada vez mais, ele é usado como
terapia em pacientes que sofrem de demência senil ou Mal de Alzheimer, como se
fosse um animal de estimação, mas sem os problemas que eles trazem a um
ambiente hospitalar. Outro robô, Zeno, com forma humana e com uma grande
capacidade de reproduzir gestos, parece um brinquedo sofisticado (e caro). Mas,
principalmente, é utilizado para tratar crianças autistas.
Robô Paro no laboratório da Universidade de Sheffield. / SIMON BUTLER
Na mostra também está exposto um robô drone que,
graças a um programa de reconhecimento facial, pode seguir uma pessoa
(felizmente, as baterias não duram muito). Há robôs com braços programados para pegar um determinado objeto ou que
aprendem a parar em uma linha branca antes de bater (servem para estudar os
mecanismos neuronais). Também está aberta uma linha de pesquisa que
simplificará muito a vida dos doentes: um robô que é uma mesa de operações que
responde a comandos de voz.
Mas no fim o projeto mais extraordinário é aquele aparentemente
mais simples: os enxames. A Universidade de Harvard, que é quem fabrica esses
aparelhos de 3 centímetros de largura chamados kilobots, conseguiu recentemente
agrupar 1.000 robôs no maior movimento coletivo de máquinas já realizado até
hoje. Cada um custa pouco mais de 300 reais, e Sheffield é o centro que mais
tem kilobots depois da universidade norte-americana – 900 unidades. Roderich
Gross, responsável pelo projeto, explica: “É possível fazer isso sem memória e
sem computação. São sensores e infravermelhos que dizem a eles se há um robô
por perto ou não”. O professor Gross afirma que a ideia é imitar a natureza, as
formações criadas por bandos de pássaros e cardumes de peixes ou os montes
construídos pelos cupins – em que a união das decisões muito simples de muitos
indivíduos (às vezes milhões, no caso dos insetos) chega a produzir estruturas
muito complexas, como os cupinzeiros.
No mesmo laboratório, um
espanhol, Juan A. Escalera, desenvolveu robôs que se juntam com ímãs e
transmitem energia entre eles, outra das chaves para esse futuro no qual
engoliremos um comprimido que se transformará em um robô dentro do nosso corpo.
“O mundo da robótica é muito mais diverso do que pensamos. Mas não podemos nos
deixar cegar pelo tamanho. O importante é a organização. A ideia é criar uma
mente genérica que possa funcionar para organizar tanto uma cidade quanto um
nanorobô”, afirma Paul Verschure, diretor do Specs, o grupo de trabalho em
inteligência artificial da Universidade Pompeu Fabra, de Barcelona, que
colabora com Sheffield.
O laboratório da Universidade de Sheffield parece vazio porque a maioria dos robôs foi transferida para a
exibição. Solitário, como um personagem de Inteligência Artificial, está o Icub, um robô humanoide criado pelo Instituto Italiano de
Tecnologia de Gênova e que faz parte de um projeto europeu. Atualmente há cerca
de 30 Icubs no mundo, e cada um custa mais de 770.000 reais. Essa máquina
mostra os avanços da robótica e da inteligência artificial, mas também o longo
caminho que elas têm pela frente. “Nós utilizamos o robô não como um fim em si,
mas para entender como funciona a mente, como uma ferramenta para compreender a
arquitetura das emoções e das percepções”, explica Verschure.
Tony Prescot afirma que o
objetivo de seu grupo é que o robô seja capaz de tomar consciência de seu
próprio corpo, de reconhecer objetos com os dedos, de ter sensibilidade na
pele. Ele e a equipe também estão trabalhando na construção de uma memória
autobiográfica – área na qual a Universidade de Lyon conseguiu importantes
avanços – e no estudo de como aprendemos uma língua.
Os robôs representam uma
indústria crescente – a UE anunciou, durante o verão, um investimento de 8,6
bilhões de reais para um setor que na Europa tem 32% de cota de mercado,
enquanto o Google comprou oito empresas de robótica nos últimos dois anos. Segundo
dados do setor, os robôs já movimentam quase 60 bilhões de reais por ano. “A
robótica é um mundo fantástico. Por isso, não devemos exagerar. Os robôs são
muito úteis, por exemplo, para cuidar de idosos, mas não podemos utilizá-los
por motivos financeiros. Eles não podem substituir as pessoas”, explica o
professor de inteligência artificial em Sheffield Noel Sharkey, especialista em
ética robótica, que lidera uma campanha mundial que chegou até a ONU pedindo a
proibição dos robôs militares (ou pelo menos a sua regulamentação para que não
tomem sozinhos a decisão de matar).
Estaríamos à beira de uma
revolução semelhante à representada pelos computadores pessoais, a Internet e
os celulares? “Sem dúvida, apesar de estarmos no princípio”, responde Prescot.
“As máquinas são muito melhores que nós em algumas coisas, mas há problemas
simples que ainda são muito difíceis de resolver”. Já Paul Verschure, da Pompeu
Fabra, de Barcelona, afirma: “Pensar é o mais fácil: os grandes desafios são a
consciência, a criatividade e as emoções”. E os problemas não vêm só da
tecnologia: quem é legalmente responsável se um carro robotizado provoca um
acidente? Nenhum jurista encontrou uma resposta suficientemente convincente
para que os carros que andam sozinhos possam circular sem problemas. Os
cientistas não só imaginam androides que contam carneirinhos eletrônicos ou que
se comuniquem de seis milhões de maneiras diferentes; imaginam robôs úteis para
cada momento do cotidiano.
Fonte: Elpaís Brasil
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