87 milhões dependem de programas sociais para
deixar pobreza
Nenhum dos três principais candidatos à Presidência da República está
disposto a fazer alterações significativas nos programas sociais em andamento
no País

Se alguém se der ao trabalho de
ler as propostas de governo dos três principais candidatos à Presidência da
República verá que nenhum deles está disposto a fazer alterações significativas
nos programas sociais em andamento no País. Prometem ampliá-los, promover
ajustes e, sobretudo, oferecer suporte para que as famílias mais pobres
consigam vencer as barreiras que as mantêm tão distantes das mais ricas. Essa
atitude não é novidade. Ela tem se repetido de maneira acentuada desde a
redemocratização, na década de 1980.
Em 2001, já na reta final de
seu segundo mandato, o presidente Fernando Henrique Cardoso iniciou a montagem
de amplo banco de dados com a relação das famílias mais pobres e informações
sobre escolaridade, saúde e renda, além dos nomes e condições dos programas
sociais a que tinham acesso. Ele havia instituído alguns programas de
transferência de renda condicionada, entre os quais o Bolsa Escola, que só era
pago se a família mantivesse as crianças estudando, e queria conhecer melhor
seus efeitos e problemas. O projeto desse cadastro único, porém, não avançou
muito. As principais dificuldades foram a existência de vários cadastros em
diferentes ministérios e a resistência da burocracia em unificá-los.
Fernando Henrique deixou para o
sucessor um cadastro incompleto, com 17 milhões de nomes. A partir dele, o
presidente Luiz Inácio Lula da Silva superou as dificuldades técnicas e
burocráticas e montou um cadastro que hoje, após quase 12 anos de permanência
do Partido dos Trabalhadores no poder, impressiona por seu tamanho e
eficiência.
Com um total de 87 milhões de
pessoas cadastradas (43% da população) em 18 programas, ele é uma ferramenta
tão invejável na elaboração de políticas sociais que um dos presidenciáveis, o
candidato Aécio Neves, chegou a falar em aprimorar ainda mais sua confecção.
Ele quer obter um tipo de sintonia fina para identificar e apoiar da melhor
forma possível as famílias mais vulneráveis entre as menos protegidas.
O cadastro abriga um largo
guarda-chuva de proteção social com programas criados no atual governo e outros
que já existiam e ganharam amplitude. O quadro publicado no alto desta página
dá uma ideia do seu tamanho. Para aqueles que acreditam que não são oferecidas
portas de saída para as famílias, é interessante observar no quadro a
existência de programas de incentivo à produção rural, acesso ao microcrédito e
estímulos à comercialização, entre outros.
O carro-chefe das iniciativas é
o Bolsa Família, resultado da aglomeração de quatro programas criados, mas
pouco desenvolvidos, no governo FHC. Ele beneficiava 3,6 milhões de famílias em
2003, primeiro ano do governo Lula, e hoje atinge 14,1 milhões. Nesse período o
investimento passou de R$ 1 bilhão para R$ 26 bilhões (ou 0,4% do PIB, segundo
o Ipea).
Desigualdade
Os efeitos eleitorais do Bolsa
Família, sempre lembrados pela oposição, são inequívocos (embora venham
diminuindo ano a ano). Não se pode restringir o debate, porém, apenas a essa
questão. Estudos feitos no País e no exterior já demonstraram que esses
programas contribuíram para a redução da miséria. Também ajudaram a reduzir a
distância entre os mais ricos e os mais pobres, embora o Brasil continue
ostentando um dos piores índices de desigualdade do mundo.
O modelo, porém, dá sinais de
esgotamento. Já é possível identificar pelo menos dois pontos em que a
engrenagem ameaça emperrar. O primeiro é a redução do crescimento econômico.
Segundo análise da Organização
das Nações Unidas, a queda das desigualdades no Brasil só foi possível pela
combinação de programas sociais com a formalização do mercado de trabalho e a
expressiva valorização do salário mínimo e das aposentadorias. Com a
desaceleração da economia que se verifica no País, no entanto, o efeito dos
programas fica comprometido.
O segundo ponto de preocupação
é mais estrutural. Estudos sobre os programas de transferência de renda que se
expandiram pela América Latina desde a década passada indicam que, se não forem
acompanhados de reformas estruturais, não garantem mobilidade social.
O professor de economia
Alexandre Freitas Barbosa, do Instituto de Estudos Brasileiros da Universidade
de São Paulo (IEB/USP), já observou, em estudo sobre o tema, que a mobilidade
dos setores de baixa renda só é possível com reformas que incluam a elevação
dos gastos em educação, saúde, habitação e saneamento, a continuidade da
política de valorização do salário mínimo e crescimento econômico elevado. Ele
também assinalou que nas regiões mais pobres as políticas de transferência de
renda devem estar acopladas ao estímulo a atividades econômicas de médio porte
e ao cooperativismo.
Tudo indica que o futuro
presidente terá pela frente um desafio maior do que apenas tocar o que está em
andamento.
Fonte: Estadão
Nenhum comentário:
Postar um comentário